quinta-feira, 25 de março de 2010

O RELATÓRIO TRITON

''VEJA SÓ, AQUELE ALI PRESTA!''
Com essas palavras iniciou-se a ocupação do terceiro planeta do sistema solar. Incursões regulares para estudo e coleta de espécies locais foram a vanguarda da ação, que, do ponto de vista militar, técnico e econômico, pouco ou nada representaram para a expansão iniciada em tempos imemoriais e ainda hoje em curso.

''MUITO BARULHO POR NADA''
De fato, as missões científicas foram bem sucedidas. Dentre as várias formas de vida baseadas em carbono coletadas naquele planeta, verificou-se que uma espécie do que hoje chamamos de mamíferos (termos e medidas no rodapé) dominou o planeta e sobre ele exerceu força, escorada na liguagem rudimentar e na descoberta e desenvolvimento de ferramentas, e em pouco tempo. Nada que já não tenha sido visto anteriormente em outros planetas.

"VAMOS LÁ VER"
Decidiu-se pela observação mais atenta do tal planeta enquanto a frota se deslocava naquela direção. Como a frota teria várias paradas e, por conta disso, demoraria ainda milhares de anos até atingir aquele quadrante, um grupo pensador conseguiu autorização e financiamento para observar os curiosos animais do terceiro planeta do chamado sistema solar a partir do satélite Triton, do já então reconhecidamente inabitado planeta Netuno.

"OBSERVAÇÃO"
Assim que se estabeleceram em Triton, o grupo passou a estudar e monitorar os planetas e sistemas vizinhos, com atenção especial ao terceiro planeta e os seus aparentemente bons animais nativos. Essa base tornou-se notória e bem quista na Capital e pela Frota, pelo seu baixo custo operacional e pela relevância das informações que transmitiam. E seguiam observando os animais dominantes daquele planetinha. Concordavam com os antigos pesquisadores. Era um planeta bastante pobre e pequeno, e os animais que o habitavam extremamente simples. Esse foi o relatório que enviaram, apesar de nutrir certa simpatia por aqueles animaizinhos. Haviam descoberto finalmente uma maneira de dominar uma fonte de energia, e agora a usavam em seu benefício. Com o fogo, aqueciam sua matéria frágil e amaciavam o que era de seu consumo. Até que bastante espertas, essas criaturinhas.

"DISTRAÇÃO''
Como as operações do Instituto eram baratas e eficientes, a Capital achou por bem enviá-los em missão exploratória a um sistema solar não muito longe dali. Se foram, pois, no cumprimento do dever, e deixaram seus bons bichinhos. Sabiam que se sairiam bem. Foi assim com espécies bem mais primitivas.

''GUERRA''
Os pesquisadores de Triton rumaram para sua pesquisa sem saber que, numa galáxia não muito distante, a Frota colonizadora envolvia-se em uma guerra civil com a qual nada tinha a ver. Isso atrasou bastante o avanço da Frota.

''MAS QUE BAGUNÇA!''
A missão do Instituto Triton também não foi bem. Não cabe aqui uma explicação detalhada dos fatos daquela expedição científica. O que se sabe é que poucos membros retornaram à Triton, de moral baixa e pensando no que escrever em seus relatórios. Foi quando verificaram a situação das instalações e aparelhos e constataram o fato estarrecedor.

''QUEM DIRIA''
Não havia dúvidas. Olhavam diretamente para o planeta, cuja aparência denunciava sua situação. Aliás, o caos de escombros artificiais que circundava o planeta era mais contundente que qualquer especulação. Ficaram fora apenas alguns milhares de anos. Quem diria que aquele animalzinho que brincava com fogo faria algo assim?

''É FATO''
Descobriram por que raios não receberam as informações de que tamanha lambança estivesse ocorrendo, ou porque recebiam praticamente as mesmas informações.O lugar no qual estiveram respondia de maneira diferente ao tempo e ao espaço. Mas enfim, o fato é que os animaizinhos conseguiram destruir em poucos milhares de anos um planetinha que, se não tinha muita importância estratégica, era bem bonitinho e cheio de criaturinhas simpáticas, como se achou que aqueles dominadores do fogo fossem.

"'É OFICIAL''
O Instituto Triton enviou enfim a notícia de que aquele planeta, apesar de severamente agredido, era recuperável e brevemente útil. A Frota vinha firme em direção à estrela que hoje chamamos sol, e já não se lembrava muito bem da sua participação na guerra.

''DESCOBERTA''
Por conta dos eventos ocorridos na viagem anterior dos pesquisadores, todos os aparelhos do Instituto - até ali aparentemente funcionais - começaram a receber uma miríade de sinais e informações. Os equipamentos já os tinha recebido, na verdade. Só passou a processá-los enlouquecidamente. Depois de pôr em ordem toda a parafernália, começaram a analisar os dados e, entre uns estupefatos e outros visivelmente chocados, constataram a realidade do absurdo que acontecera naquele planetinha outrora azul.

''COMO ASSIM?''
Pelas transmissões tardias e pelas análises de campo, constataram algo que jamais especularam ser possível. Aqueles simpáticos mamíferos (Not. do Trad.: ver rodapé) que brincavam com fogo foram capazes de, em poucos milhares de anos, tornar estéril um belo planetinha azul que levou bilhões de anos para tornar-se útero da maior coleção de formas de vida baseadas em carbono jamais vista em qualquer outro canto observável do universo. Que grande merda fizeram os mamíferos falantes dominadores de fogo.

"ADUBO E PRONTO''
Depois de comunicar aos de direito a situação operacional do planetinha que deveriam vigiar - sua real missão, grosso modo - atinaram para o fato de que a órbita do planetinha estava congestionada de sucata resultante de lançamentos extra orbitais primitivos. Durante os preparativos para a expedição à lua terrestre, lembraram que a base das milionarias primeiras pesquisas era aquele mesmo satélite em que se encontravam. Todo tipo de material - biológico, habitacional, tecnológico - foi levado para ali, naquele mesmo satélide em que se encontravam. Mas, enfim. Isso foi a muito tempo, e Triton era uma lua gigantesca. Foram para onde era rápido e fácil de se chegar. Foram para a Lua, Terra, Sistema Solar. Logo ali, portanto.

''LOGO ALI''
As deduções estavam corretas e, antes mesmo de chegarem à lua do terceiro planeta, encontraram um objeto artificial de tamanho médio que continha trezentos e doze corpos do que sabiam deduziam tratar-se de corpos humanos. Após a confirmação dos exames, seguiram até a chamada lua do terceiro planeta. Novamente, as deduções se confirmaram. Os que brincavam com fogo conseguiram estragar sua única chance de continuar brincando com fogo. Foram até ali e estragaram tudo.

''ESPÉCIMES''
Por mais improvável que pareça, na viagem de retorno daquela lua a equipe encontrou outro daqueles objetos artificiais terrestres. Parecia estar intacto. Era bem maior e continha os corpos de 2112 indivíduos. A análise do artefato revelou a existência de outras oito cápsulas íntegras como aquela, e que ela acompanhava outras 1954 naves, que não eram mais funcionais.

''RESGATE''
Com esforço, alguns espécimes dessa perigosa raça foram resgatados. Somam hoje alguns poucos milhòes, mantidos em coleções particulares e em exposições permanentes da Frota. Pouco se parecem com os exemplares resgatados pela histórica missão do Instituto Triton.

A POLÊMICA:''
A celeuma causada pelo recém descoberto documento (e cuja divulgação não é autorizada) do Instituto Triton reside nas afirmações que faz em relação ao auto destrutivo animal nativo daquele planeta e que hoje conhecemos apenas pela clonagem da espécie. O tal documento afirma:

"O RELATÓRIO:''
''Este espécime foi capaz de se comunicar e operar mecanicamente seu ambiente. Este espécime não soube se comunicar e operar mecanicamente seu ambiente quando da sofisticação de ambos os métodos. Este espécime perdeu a capacidade de se comunicar e destruiu seu ambiente pela incapacidade de operar mecanicamente suas descobertas. Este espécime impossibilitou a continuação de sua própria espécie ao não operar a própria mecanicidade, eliminando o própria habitat e o habitat de toda e qualquer forma de vida pluricelular baseada em carbono habitante e dependente daquele planeta.'' O documento continua com a defesa da reintrodução da espécie em seu planeta de origem, desde que devidamente acompanhado durante esse processo.

''TERRA, LUGAR COMPLICADO''
Após a destruição total do planeta causada por seus próprios ocupantes, alguns milênios se passaram. Nossos esforços científicos conseguiram enfim deixá-lo bastante próximo do que foi alguns milhões de anos de seu colapso parasitário. Muitas formas de vida coletadas lá ao longo das milhares de visitas que fizemos foram já reintroduzidas - como os simpáticos golfinhos, as vacas, criaturas voadoras e marítimas e todo tipo de vida animal e vegetal. Existe um projeto de revitalização de antigas áreas degradadas, e o chamado planeta Terra parece ser o local escolhido pra tal iniciativa.

''E AGORA?''
Parece um erro reintroduzir um animal tão pernicioso naquele ambiente planetário. Eles próprios parecem ser, hoje, inapropriados para repovoar tal planeta, considerando que quase não assemelham-se aos seus ancentrais. Aqueles eram bípedes e possuíam olhos, por exemplo. Fica o debate, mas a decisão provavelmente já está tomada. E que sigam nas jaulas.

(Nota do tradutor: A cronologia, idiomas, medidas, valores e nomenclaturas respeitam a determinação número 1984 do ano de 2112 da Frota para este sistema solar e correspondente quadrante, em homenagem ao único animal que foi capaz de tudo nesta região do universo.)

2 comentários:

  1. Muito legal, véio! Isaac Asimov e Erich Von Däniken ficariam felizes em ler esse conto. Mudando um pouco de assunto, vamos fazer um acordo: eu me torno um seguidor do teu blog se tu te tornar seguidor do meu, certo? A meta é nos tornarmos uma confraria de blogueiros, rsrs.

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  2. Ficou legal mesmo! Parabéns, Andrey, manda bem também com o texto, hein?

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