domingo, 11 de abril de 2010

O CINEMA E A CORAGEM DE PENSAR

Ontem vi uma comédia alemã sobre Hitler chamada ''Mein Fuhrer''. Pois é, isso mesmo. Finalmente os alemães conseguiram fazer troça e tentar entender por si próprios aquela maluquice que ninguém conseguiu entender direito até agora, mas que pra eles é um terror bem mais complicado de se encarar que para qualquer outro observador além dos judeus e dos estados invadidos pelo nazismo. São acusados de cúmplices daquela coisa, afinal.

Em certa cena, o Hitler em frangalhos procura seu professor judeu de dicção e atuação nos aposentos deste e de sua família. Deita entre eles e dorme. Nem nota a tentativa de assassinato da esposa do ator judeu. O ator judeu ainda argumenta que Hitler é ''apenas uma vítima de um pai violento e de condições adversas.'' Não que tenha se afeiçoado a Hitler, apenas considera que tenha entendido algo a respeito do comportamento do chefao. Ainda quer matá-lo. Só não conseguiu aceitar o pragmatismo da esposa, que não quis desperdiçar aquela oportunidade única. Estava fascinado pelo algoz-mor. Era covarde ou humano demais para matá-lo assim, em seu complicadamente adquirido leito matrimonial e na presença dos filhos (vejam o filme para entender essas circunstâncias).

Não sei por que razão esse filme não foi motivo de polêmica e discussão, apenas desconfio. A questão, pelo que entendi, não é a justificativa psicológica e moral dos atos de Hitler e seus seguidores diretos - coisas que o filme ridiculariza de maneira elegantemente engraçada - mas atentar para o fato de que tudo o que aconteceu por aqueles dias foram obra de humanos, como nós. Falíveis e influenciáveis.

O apoio do povo alemão, no fim das contas, não foi muito diferente da maneira como a maioria dos norte-americanos encararam e encaram a tal da guerra ao terror hoje em curso. Amavam o seu país e acreditavam em seus líderes. Com a desvantagem de nao contarem com fontes independentes de informação.

Mas o que eu achei mais bacana nesse filme foi o fato de que, ao humanizar Hitler - que faz xixi na cama e chora ao lembrar das surras do pai - não humanizam o grande monstro político que foi. Explicitaram sim a ''monstrualização'' do homem e do seu meio, a sociedade. Hitler foi só a cara feia e visível de uma maneira equivocada da massa se mover e manifestar-se que, dotada de voz, cara e opinião equivocadas - produtos de si mesma - é capaz que tudo.

Muitos reclamam do fato de Tarantino ter matado Hitler em seu estupendo ''Bastardos Inglórios''. O assassinato de Hitler que Tarantino bolou é magnífico. E que se fodam os puristas históricos, a Arte e a Ficção estão aí justamente pra desopilar e tentar compreender a humanidade e o animal que a faz acontecer.

Mas, ao botar Hitler de quatro, chorando, lamentando sobre as surras do pai, como um incapaz sexual, um alienado manipulável pelo seu ministério corrupto, um sujeito enfim entregue à demência que o motivou a fazer tudo aquilo que fez, apenas aponta o dedo pra todos nós.

Hitler não era nem nunca foi o super-homem. Muito menos aquele do Nietzsche. Estamos longe disso, ainda. Era só alguém que TODO O MUNDO deixou convencer a Pátria que, grosso modo, nem era a dele, de que estava certo.

Enquanto existir ignorância em massa e a manipulação dessa ignorância em massa - chamamos isso de ''política'' - teremos outros louquinhos como ele. Mais moderados, mais ternos. Uns realmente bons e preocupados. Outros se coçando pra usar o que Hitler usou, e todos os outros caras.

Não se deve esquecer, a massa ainda se move assim. Hitler foi eleito. Mussolini também. Assim como Bush Jr. e o Coronel Chavez. O Ahmadinejad e o Shimon Peres. E o Lula e o Obama, que são os caras. Todos eleitos. Democraticamente. Não falaremos dos óbvios ditadores que persistem. Mas o princípio é o mesmo. A massa.

Ah. No Brasil o filme foi lançado com o título de ''Minha Quase Verdadeira História''. Produção alemã de 2007 com direção de Dany Levy. Notaram isso? Alemanha, Levy, filme, nazismo, comédia. Isso já vale o filme, né?

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O FIM DO MUNDO ÓLHOLHÓ

VONNEGUT ClearMind Freeware recupera e publica:

A ponte Hercílio Luz já era. Surpresa nenhuma. Sustentava-se por seu próprio peso. Tenho certeza de que caiu no primeiro tremor, antes da segunda do que andam chamando de “convulsões” das águas das baías. É minha opinião, qualquer engenheiro que discorde que se foda e fique à vontade pra discordar. Ela caiu. Não resolveram o problema em dois séculos e meio desde a primeira discussão séria a respeito da manutenção desse monumento. Nem monumento era, era obra de engenharia. Uma das últimas da sua categoria. Virou monumento depois de tornada inútil. De qualquer maneira, já era, já foi. Temos todas aquelas belas fotos pra lembrar. Esta é uma discussão inútil, considerando o fato de que a Ilha na qual a ponte se apoiava não existe mais. Nem o continente, como era até a pouco tempo. Agora o Litoral catarinense fica a centenas de quilômetros continente adentro. Quer dizer, o que se considerava litoral catarinense. Hoje, o Paraguai e a Argentina disputam aquela faixa de litoral. E os uruguaios ainda argumentam um direito religioso, baseado em crenças pascoalinas deles e no princípio do direito brasileiro que versa sobre o uso capião. Uma lambança. O Governo Federal anda ocupado demais com a preservação da cidade de São Paulo, depois que as duas primeiras capitais da pátria foram engolidas sem cerimônia pelas águas em um intervalo de meros quatorze anos. A elevação de Brasília em cem metros, noventa anos atrás, ainda perturba. Mas nada perturba Brasília. Flutuará, no colapso final do continente. Pobre gente que lá ficar, esperando por raminho.

domingo, 4 de abril de 2010

O AMOR, SEGUNDO 2112/1976/YYZ-81

VONNEGUT ClearMind Freeware recupera e publica:
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Fragmento dos registros deixados pelo interno 2112/1976/YYZ-81:
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Francamente, não há nada mais detestável que amar francamente. Nenhum amor franco é correspondido de verdade, salvo o de mãe. Como bem notou alguém que amo francamente. Fora isso, amarás francamente ou serás amado francamente, mas raramente tais circunstâncias coincidem. Alguns dirão que conhecem amores francos. Que vivem amores francos. Essas situações existem mesmo. Honestos, crentes, cruéis, iludidos. O amor não poupa ninguém e cobrará seu preço, sem escolher lado. Castiga e castigará a todos, cedo ou tarde. Quero fazer notar que falo do tal amor, não das atitudes estúpidas que se cometem em nome de algo que, quando acontecem, já não mais existe. Falo do amor e do amar, mesmo. Amemo-nos falsamente uns aos outros para que possamos nos detestar carinhosamente. Mas se descobre, se revive, aquele bom amor por alguém que parecia merecer tal amor. Bobagem, pode ser que se viva uma epopéia amorosa, não é? Mas, por conta disso, tal epopéia transforma-se em remendos degradantes e conversas detestáveis. Ou coisa pior. Essa foi uma especulação tola, claro. Amores francos não chegam a esse ponto, quando quase coincidentes. Não me falem em baleias, camada de ozônio, de que cigarro faz mal, ou qualquer outra coisa detestável. Não há nada mais detestável do que amar francamente. As mulheres que magoei por amarem-me francamente e as que me magoaram por tê-las amado francamente sabem – ou deveriam saber – disso. Considero isso detestável, principalmente depois de dar-me conta de ter finalmente amado absurdamente e francamente e descoberto a bobagem que tinha feito. De novo. Ah... Não faça essa cara irônica, você aí. Recolha esse sorriso cético. Sabes bem do que falo, leitor hipócrita. Se não sabes, vá rindo. Tua hora há de chegar. Preste atenção.
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É possível que outros textos do interno 2112/1976/YYZ-81 sejam apresentados, após restauração.